domingo, 16 de dezembro de 2007

Entre o Público e o Privado




Querido Diário,

Certa vez um alto executivo com quem eu trabalhei (com quem aprendi muito e por quem, até hoje, tenho a mais profunda admiração e respeito) me confidenciou que seu auto controle era treinado, como se treina futebol, xadrez, ou outra coisa qualquer. Explicou-me que treinava como manter uma expressão impassível não importando o que estivesse acontecendo à sua volta, e que jamais, ou muito raramente, demonstrava seus sentimentos.

Eu, que já trabalhava com ele há algum tempo, percebia seu desconforto com algumas situações, porque aprendi (sobrevivência, né?) a ler os pequenos sinais que ele emitia quando estava nervoso – como, por exemplo, rodar o dedão das mãos um sobre o outro... porque era só naquele pequeno e quase imperceptível gesto que era possível descobrir que algo não estava ao seu contento (e as mãos poderiam estar sempre meio escondidas por debaixo da mesa, não é? Muito menos visível do que um franzir de sobrancelhas).

Quando eu o questionei sobre o porquê disso, ele me explicou que as pessoas sentem-se vulneráveis quando não sabem o que você está sentindo – em especial se você é o chefe, ou ocupa algum cargo, posição, afeto importante na vida dessa(s) pessoa(s) em questão.
Interessante, não é? Esconder os sentimentos torna-se, então, uma estratégia ... para vencer, tornar-se invulnerável, ou manter o poder ...

Pois é... tudo isso, Diário, para falar sobre o desnudar da alma. Quando e se devemos mostrar aos outros o que sentimos, e como sentimos..

Eu explico. Uma pessoa da minha família (de quem eu gosto muito) anda possessa porque diz que estou a desnudar a alma aqui, que isso pode ser perigoso, que as pessoas saberão o que penso, como penso, o que sinto e como sinto...

Terrível, não é?

Terrível essa coisa de trazer ao público o que deveria ser privado.... na verdade, atualmente as margens que separam o público do privado se tornaram tão tênues, tão maleáveis e indistintas que, muita vezes, já não sabemos mais a que esfera pertence esse ou aquele gesto. A internet, o orkut, e os Reality Shows vieram provar que essa discussão tende a ficar cada vez mais complexa e filosófica. Até onde devemos e podemos ir ao expor nossas vidas para milhões de internautas ??

Esse questionamento me levou a pensar outros pontos, também. Por que o privado atrai tanto o olhar das pessoas? Quais os motivos que levam alguns assuntos (todos particulares) a tornarem-se quase fetiches? Por que a maneira como fulano ou beltrano expõe sentimentos é tão mais interessante do que analisar sua própria maneira de ver e sentir o mundo?

Não tenho a resposta, diário... talvez isso se deva ao prazer puro e simples de bisbilhotar a vida dos outros (as fofoqueiras de plantão, que antes ficavam sentadas nas calçadas vendo quem passa, quem entra onde, quem fala com quem, agora se sofisticaram???); talvez seja para encontrar ali coisas mais interessantes, mais vibrantes do que aquelas que compõem sua própria vida??? Ou ainda, vá saber, para viver as experiências de outrem sem colocar em risco sua própria vida insípida, porém segura.

O que eu sei, Diário, é que vir aqui e escrever têm me feito um bem enorme. Por vários motivos que não cabem hoje aqui ... mas o mais importante é que eu adoro escrever... e não consigo, ainda, escrever com propriedade sobre coisas que não experimentei, ou contar “causos” que não vivi. Minha vida é o pano de fundo para as coisas que escrevo – sempre foi. A diferença é que agora eu não te escondo mais na gaveta, e partilho com outras pessoas as emoções, as dúvidas e as frustrações ...

Se, um dia, alguém desejar usar o que escrevo contra mim.... bem.... paciência!!! Não posso evitar que as pessoas sejam más ou mesquinhas, mas, talvez, ao levá-las à reflexão (pretensão??) eu possa melhorar o mundo um tiquinho só... e fazer com que o pensar sobre a vida, o voltar-se para dentro de si mesmo torne-se menos contingencial...

Eu sei, eu sei... concordo... o inferno está cheio de pessoas que estavam carregadas de “boas intenções” ... mas, quem falou que eu quero ir para o céu??

4 comentários:

Anônimo disse...

Nossa, Marília, tá super bem escrito do começo ao fim, super claro, concatenado. Dá pra seguir direitinho os seus argumentos. É a melhor postagem até agora. Seus textos tão cada vez melhores mesmo! Parabéns!

Anônimo disse...

Eu acho que as pessoas que não expõem o que sentem são no fundo pessoas recalcadas que têm medo de se assumirem, sabe. Eu tenho blog, e ainda tenho meu diário escrito à mão, à luz do abajur, sobre o col,chão da cama, Marília. E quer saber? Há muita, mas muita diferença entre o que escrevo no blog e o que escrevo no diário. Não é proposital, mas é comoas coisas saem. Aquilo que se torna público nem sempre é tão particular assim. Quero dizer, ninguém sai por aí contando seus temores maiores, suas falhas que lhes causam vergonha, essas coisas. E outra: a gente não fica bisbilhotando com freqüência em blogs de pessoas que desconhecemos. Como diz Isidoro Blikstein, um signo só passa a existir a partir do momento em que o notamos. O mesmo vale para as pessoas, né. Então, continue a exercitar essa sua capacidade de refletir sobre o teclado. É um modo de exorcizar pensamentos, mas também de mostrar, nessa era tão cibernética, tão materialista, tão reificada, um artigo que está se tornando raro: a humanidade.

Marilia Fatima disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marilia Fatima disse...

Puxa... obrigada pela força!!!
É gostoso quando as pessoas compreendem o que estamos dizendo!!
.. concordo com você... o mundo está sofrendo de surtos de frieza, individualização excessiva, e indiferença... e nós usamos da ferramenta que pode alienar para conscientizar...