sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Indulgências....


Querido Diário,

Ontem li uma frase de Goethe que me fez refletir muito. Ele afirma que o envelhecer nos torna mais indulgentes, pois não vemos ninguém cometer erros que já não tenhamos, nós mesmos, cometido. Caso você não saiba, Diário, e segundo o Aurélio, ser indulgente significa estar pronto para perdoar, ser tolerante, ser benigno e complacente....

Com todo o respeito que Goethe merece, eu discordo!!! Essa afirmação me parece um sofisma.

Na verdade, Diário, creio que as coisas não são bem assim. Vejo muita gente esquecer-se de suas próprias atitudes passadas e apontar o dedo acusador para um seu semelhante, esquecendo-se de que ele próprio já fez coisa parecida – quando não, pior.

A indulgência, da maneira como a vejo, não vêm com a velhice. Não é algo que se deva a um fator cronológico... é, antes, um ato de “reconhecimento” para com seu semelhante, é a capacidade de enxergar no outro as fragilidades que todos temos. O envelhecer, pura e simplesmente, não nos torna mais caridosos, mais humanos, mais compreensivos, mais honestos, e tampouco refina o olhar com que observamos o mundo que nos cerca... a maioria dos “defeitos” que temos envelhecem conosco .... e não podemos nos esquecer que os obtusos, os seres vis, os calhordas, os sem coração, os desonestos, os cruéis, também envelhecem...

Não, Querido Diário, não pertenço á escola dos cínicos!!! É claro que acredito na capacidade de mudança, na força das experiências vividas, que nos levam a perceber – antes tarde do que nunca – que estamos julgando algum nosso semelhante com pesos e medidas que não usaríamos para nossos próprios atos.

No entanto, creio que somente algumas situações têm força motriz suficientemente forte para gerar uma mudança verdadeira e duradoura dentro de nós... é o que eu costumo chamar de “experiências transformadoras” ... é vivenciar uma dor que por ser tão profunda, tão forte, tão dilacerante nos obriga a olhar para dentro de nós mesmos e altera, como conseqüência, nossa percepção do mundo lá fora. Só após sofrermos essas mudanças internas é que teremos a capacidade de olhar para o “outro” com um o olhar renovado de quem foi ao inferno de si mesmo e voltou – e ai, sim, TALVEZ, possamos usar os mesmos pesos para julgar a todos – porque é a isso - também -que se resume tornar-se indulgente ... e compreendermos que somos todos passíveis de erros, sofrimentos, enganos – sejam eles voluntários ou não.

Ser indulgente, Diário, pode até ser fácil dependendo do significado que dermos ao ato. Voltemos ao Aurélio. Ser tolerante com os erros alheios não é tão difícil assim... pois ao tolerarmos as falhas dos outros estamos fazendo vista grossa às nossas próprias falhas, e sendo muito caridosos ... conosco!!!
Já o perdão... bem ... perdoar, Diário.... perdoar de verdade ... é muito, mas muito mais difícil... e requer de nós, pobres seres humanos, uma compreensão da alma do outro (e da nossa própria) que nem sempre estamos dispostos a ter... até porque, não raro, o ato de perdoar vem acompanhado do reconhecimento (quase nunca confesso) de que nós, de alguma maneira, colaboramos com o erro alheio... e isso nosso orgulho não pode admitir, não é?
Você bem sabe, Diário, que o senso comum enaltece o ato de perdoar... fala-se que o perdão é "bonito" ... é que, teoricamente, o ato de perdoar nos confere magnanimidade... é como se disséssemos ao mundo: veja só como sou bom, que alma nobre eu tenho... mas o verdadeiro perdão, Diário, aquele dado em silêncio, que vem do fundo da alma, que transforma quem perdoa e quem é perdoado.... esse sim, não depende do tempo, nem da idade, nem da experiência, para acontecer... só a transformação interior, a aceitação, o reconhecimento da fragilidade do homem, e a verdadeira caridade que mansamente nasce de dentro para fora, é capaz de provocar...
O triste - e que contradiz Goethe - é que para muitos, para uma imensa multidão da qual lamento fazer parte Diário, não importa quantos anos tenham se passado, essa capacidade parece jamais se concretizar.

3 comentários:

Anônimo disse...

Que texto lindo, Marília!! Você tem toda razão, a velhice por si só não torna ninguém melhor. Goethe tava viajando. Adorei mesmo.

Emerson disse...

Oi Marília, feliz 2008!
Uma vez mais, eu sei, mas eis uma coisa que vale a pena repetir:
Feliz 2008.

Errar é humano, perdoar é divino.

Bom, sou um reles humano.
É o que me descubro cada vez mais e mais, e já não é de agora.
Às vezes uso como desculpa, é bem cômodo ser e assumir-se como humano.
Às vezes isso me incomoda. Confesso que quando isso acontece, ligo a luz e pego o livro mais próximo do travesseiro.

Beijo.

Marilia Fatima disse...

Queridos Emerson e Divanize... pois é... assumir-se humano pode ser desumano!!! (desculpem o trocadilho infame) ... e eu gostaria, às vezes, de sentir em mim essa centelha divina da bondade incondicional...!!! rsrssr
... mas, como você Emerson, sou humana demais!!
Beijos e obrigada pela visita.