terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Sobre Sonhos


Sobre Sonhos

Querido Diário,

Você sabe o que é sonhar???
Existem, claro, dois tipos de sonhos ... os “concretos”, que são aqueles sonhados enquanto dormimos e dos quais, quase sempre, pouco nos lembramos, e quando os recordamos raramente compreendemos seus significados.

O motivo, Diário, segundo o Jung, é que os símbolos que criamos para sonhar são únicos, pessoais e intransferíveis... ou seja... aquela árvore que no meu sonho pode estar vinculada à memórias de minha infância, para outra pessoa adquire outros significados... pode se relacionar a algum ato violento, à um momento especial guardado no inconsciente, ou pode, ainda, simbolizar alguém em quem o sonhador confia.

Assim, Diário, não adianta muito tentar analisar os sonhos alheios se não conhecemos profundamente não só o passado do sonhador, mas como funciona o inconsciente dessa pessoa; suas memórias ... como ele ou ela relaciona as imagens oníricas com seus símbolos pessoais, quais são suas crenças – porque suas crenças interferirão na produção de seus sonhos aceitáveis (aqueles que ela se recordará) e os proibidos (que serão reprimidos pelo conjuntos de coisas em que ela acredita, que formam o consciente)... tudo muito, mas muito complicado, caro Diário.

Assim, vou me restringir a falar de outro tipo de “sonho”.... aquele que sonhamos acordados e que, a rigor, não são exatamente “sonhos” , mas desejos, vontades, necessidades... as coisas boas que planejamos para nós no futuro, tudo aquilo pelo que lutaremos ( para ter ou ser) ... esses pensamentos e imagens que estão, de fato, na esfera do desejo, é o que costumamos chamar de “nossos sonhos”.

Pois bem, diário, uma vez feita a distinção, quero dizer que sem esse sonho-desejo a vida fica muito sem graça... imagine se passássemos todos os cerca de setenta anos que viveremos (em média) sem desejar... sem lutar por nada, vivendo um dia depois do outro, assim como se esperássemos a vida acabar ... e só!!! Muito chato, não é??

Pois é... imagine você, Diário, que muitas pessoas começam a vida sonhando, desejando, lutando pelas coisas que acreditam certas e boas, por coisas e pessoas, por ideais e valores e vão, aos poucos, deixando de querer, deixando de lutar...... triste, não é? Porém verdadeiro; tão verdadeiro que desperta o desejo de compreender o porquê de algumas pessoas desistirem de si mesmas.

Sabe, Diário, viver exige coragem. Isso é fato. O tempo todo, se desejarmos VIVER, temos que matar – metaforicamente – um leão por dia. Contas para pagar, uma desilusão amorosa, engano com as pessoas, amigos que não são tão amigos assim, um trabalho maçante, um chefe egocêntrico, descobrir-se menos do que se julgava ser, um filho que nos decepciona, a morte de alguém querido... enfim .... eu poderia ficar aqui listando o dia inteiro e ainda faltaria espaço e tempo para tudo o que pode levar alguém a ir, aos poucos, e em doses homeopáticas, desistindo da vida... ai vem a depressão, chegam doenças, a tristeza se instala e cá estamos nós, frente a um adulto (em 99,99% dos casos os desistentes são adultos) que está somente respirando e esperando o tempo passar...

Às vezes, Diário, é sinal de sabedoria ter a consciência de que o momento é tão,mas tão complicado que o melhor a fazer é fingir-se de morto e ficar respirando quietinho, esperando a tempestade passar ... mas se ficamos quietos por tempo demais, se nos anulamos demasiado, se deixamos as coisas ficarem para sempre como estão, corremos o risco de que quando tudo passar tenhamos perdido a capacidade de sonhar, de desejar, e de lutar pelo que julgamos que seja bom para nós.... ou, o que é pior.... podemos já nem sermos capazes de saber o que seria, de fato, bom para nós... e passaremos a viver a vida que, se parássemos um segundo para pensar, não é a que gostaríamos de viver.

Por isso, Diário, manter a perspectiva das coisas é muito importante. Olhar para o futuro, também... esquecer o momento presente e mentalizar o que desejamos para nós... e ir atrás... isso, é, em essência, sonhar acordado...

No entanto, caro amigo, até para sonhar é preciso parcimônia e ponderação... se colocarmos os olhos sempre no futuro, nos desejos, no que ainda não possuímos, corremos o grande risco de deixarmos de viver – e de sermos felizes – com o que temos e somos no aqui e no agora...

Outro dia li uma frase singela que dizia: vida é o que acontece enquanto você planeja o futuro... ou seja, Diário, vamos sonhar sim, é importante, é vital... mas vamos ser felizes com o que temos hoje também.... viver o presente, aceitá-lo... pois, como eu já te disse um outro dia, só temos a capacidade de mudar aquilo que aceitamos....

Eu, para te dar um exemplo prático, Diário, aceitei o fato de que estou sem carro... é chato, limitante, mas aprendi a ser feliz sem ele, a buscar as compensações e vivenciar a experiência de estar entre outras pessoas ... outro dia, eu passava por sobre a ponte Cidade Universitária para ir até a USP e presenciei um por de sol magnífico lá de cima... parei, fiquei na murada admirando aquela maravilha, e pensei: eu jamais teria essa oportunidade se estivesse passando por aqui de carro.... ao admirar e reconhecer a beleza do por de sol não me fez desistir de poupar para comprar meu automóvel – chego lá, Diário – mas procuro ser feliz agora, já.... e tirar das coisas uma boa lição.

Talvez essa seja a diferença entre ficar se lamentando e escolher ser feliz... e a escolha não se aplica somente às grandes coisas da vida, não.... Ela deve se dar a todos os momentos, nessas coisinhas práticas, nas chatices do dia a dia, nos pequenos aborrecimentos que optamos por deixar ou não que atrapalhem nosso dia... .... é mesmo uma escolha que fazemos – e embora eu compreenda que algumas pessoas tenham sofrido tanto que deixaram de sonhar, e escolherem sentir-se infelizes e reclamar sempre da vida - eu me recuso, Diário... me recuso terminantemente a abandonar meus sonhos; a deixar de querer; a deixar de buscar... e me recuso a permitir que o pessimismo, a tristeza ou as aporrinhações de todo dia a que todos estamos sujeitos, me estraguem o prazer de viver e de sonhar... porque são os sonhos que nos
movem, que nos dão energia...

Sabe... se eu pudesse fazer um único desejo para um gênio da lâmpada, pediria que os homens nunca, jamais deixassem de sonhar, e que todos fossemos capazes de agradecer todos os dias pelas coisas que temos ... que não importando quão dura possa ser a realidade de cada um, a fome, a violência, a miséria interior ou exterior que tenham que enfrentar, não deixassem de querer, de buscar e de sentir-se felizes e gratos pela vida ...

Um comentário:

Anônimo disse...

É Má, o primeiro passo é sonhar, o segundo é fazer de tudo para realizar. A inércia não nos leva a lugar algum...não basta apenas sonhar...
bjs