quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Reducionismos


Querido Diário,

Eu sei, eu sei... você anda zangado por eu ter te abandonado...

Não se aborreça ... tampouco se avexe... sou assim mesmo: instável, com surtos de frieza e distanciamento (até de você, meu amigo), alguém que pensa demais e age de menos, e que passa por uma "fase crônica" de falta de tempo em excesso... mas vamos ao que interessa...
Você sabe, Diário, que adoro ler. Sou do tipo que quando não tem absolutamente nada em mãos para ler, lê bula de remédios, placas, sinais, gestos. Leio de tudo.... mas não gosto de tudo que leio. Por exemplo, não sou exatamente fã ardorosa dos escritos da Lya Luft. Penso que ela, em um número desconfortavelmente alto de vezes, escorrega facilmente para um pensar que beira o simplório e o “pensamento mágico” ... no entanto, apesar dessa escrita coloquial que satisfaz um senso comum, ela aborda alguns temas interessantes, embora pelo viés simplista que tem o hábito de adotar...

Vejamos. Em um texto que pretende discutir as diferenças entre homens e mulheres com mais de quarenta anos, em especial aqueles que se encontram sós, ela pergunta se alguém já ouviu falar em excursão para viúvos, palestras para tratar dos males masculinos (a semi desconhecida andropausa, impotência, etc). Quantas vezes, pergunta ela, vemos grupos de amigos da terceira idade se reunindo para conhecer novos lugares, ou travar novas relações. Ainda segundo Luft, e nisso ela tem alguma razão, as mulheres sozinhas buscam mais a companhia umas das outras, viajam mais em grupos, saem mais com as amigas, estão sempre abertas a novos contatos.

Segundo Luft, a razão pela qual os homens não adotam nenhuma das alternativas anteriores como comportamento habitual deve-se ao fato de que as mulheres vivem mais (chegando a óbvia conclusão de que existem muito mais mulheres idosas sozinhas); que os homens, quando perdem a companheira, não ficam sozinhos (sempre buscam rapidamente por outra); que eles se ocupam mais com o trabalho; e se apóiam mais nos filhos.

Na verdade, Diário, acho que a Lya deveria freqüentar mais campos de futebol, tênis, bocha, salões de dança, e pescarias...

Os poucos espécimes com quem travei amizade durante essa minha curta experiência de solteira-depois-dos-quarenta-e-cinco me mostraram que os homens têm sim hábitos grupais... reúnem-se no futebol, no clube, no bar do clube – qualquer local “masculino” que funcione como uma boa desculpa para juntarem-se e colocarem em dia suas fofocas (também masculinas), que quase nunca serão de cunho pessoal ou afetivo; para partilharem e compartilharem contatos, histórias, piadas, opiniões ....

O que acontece – eu penso – é que os homens formam um grupo de seres de difícil compreensão para nós, mulheres. O mundo masculino é um mundo que, embora tenha momentos de intersecção com o feminino, é estranho às mulheres, pois parte de alguns pressupostos - e visa suprir necessidades - que soam estranhas ao nossos corações e mentes... talvez, Diário, seja esse o motivo de o homem adotar hábitos diferentes em sua vida social: porque eles são diferentes das mulheres em mais aspectos do que gostamos de aceitar (sem criticar).

Não acredito, como dá a entender Luft, que os homens têm “problemas” que as mulheres não têm, ou que são menos curiosos em relação às coisas que os cercam. Apenas pensam e racionalizam o mundo à partir de premissas que muitas vezes, para nós, não fazem o menor sentido ... e a causa disso é uma questão muito mais ampla, que vai do social ao antropológico, e diz mais respeito aos papéis tão diferentes que lhes foram determinados ao longo dos milhões de anos da história humana - desde o surgimento do primeiro primata no planeta - do que a fatores biológicos.

Mesmo aqueles que por qualquer motivo ficaram sem suas parceiras e uniram-se à primeira pessoa (ou a segunda, ou a terceira) que conheceram, tendem a manter os laços de amizade com seus amigos, da mesma maneira que as mulheres o fazem. Ou, pelo menos, gostariam de .....

Isso nos levaria a um outro lado dessa mesma história... normalmente, as mulheres adoram reunir-se com suas amigas, mas ficam de “orelhas em pé” quando seus namorados, maridos e etc querem juntar-se para uma cervejinha... a maioria das mulheres tende a cercear seus companheiros, com medo que eles se tornem excessivamente – e perigosamente - gregários ... mas isso é assunto para outro dia....

Outro fator limitante, que talvez impeça os homens de agirem como as mulheres (além do inegável fato de serem biologicamente diferentes) - é que as mulheres foram ensinadas que não há problemas em mostrarem seu afeto pela amiga, pelos filhos, pelos sobrinhos, irmãos.... as mulheres aprenderam que podem ser mais unidas e afetivas sem correrem o risco de serem rotuladas de lésbicas, de “esquisitas”, ou seja lá que outros rótulos a sociedade costuma impor quando - e se - homens demonstram afeto um pelo outro, ou mostram-se muito sensíveis em relação ás situações e pessoas.

Para resumir e encerrar, Diário, a coisa toda torna-se, então, muito mais complexa do que “mulheres agem assim” X “homens agem assado” .... há muitos fatores interagindo para que os grupos comportem-se dessa ou daquela maneira, e simplificar demais empobrece o ato de "pensar sobre".

E esse, Diário, é o maior problema que vejo na Lya Luft... um reducionismo que, em muitas ocasiões, empobrece coisas e pessoas - pois tudo fica muito na superfície, sem que exista a preocupação de aprofundar o pensamento...

Um comentário:

Anônimo disse...

Achei que a sua correção à Lya Luft foi bastante oportuna e bem colocada. Desenvolveu bem seus argumentos. Só faltava agora você escrever seu próprio livro de reflexões; é capaz de fazer mais sucesso que o dela. Que vai ficar melhor em termos de conteúdo isso eu já tenho certeza.